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Horas extras incidem sobre gratificação no setor público?

Izabella

Um dos temas mais discutidos no Direito Administrativo é o efeito cascata, que se refere à proibição de superposição de vantagens pecuniárias, como gratificações e adicionais, sobre outras vantagens já concedidas aos servidores públicos. Esse conceito está diretamente ligado ao art. 37, XIV, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que estabelece que "os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores".


Neste artigo, vamos explicar de forma clara e acessível o que é o efeito cascata, como ele funciona na prática e quais são os seus impactos para os servidores públicos. Utilizaremos exemplos práticos e jurisprudências recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) para ilustrar o tema. O objetivo é que servidores públicos, mesmo sem formação jurídica, possam compreender como essa regra afeta sua remuneração e seus direitos.


O que é o efeito cascata?

O efeito cascata é uma expressão utilizada para descrever a proibição de que uma vantagem pecuniária (como uma gratificação ou adicional) incida sobre outra vantagem já concedida ao servidor público. Essa regra está prevista no art. 37, XIV, da CF/88, que diz:

"XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores."


Em outras palavras, uma gratificação não pode ser calculada sobre outra gratificação. Por exemplo, se um servidor recebe um adicional por trabalhar em uma área de risco, esse adicional não pode ser somado ao vencimento básico para calcular outras vantagens, como horas extras ou gratificações por produtividade.


Por que o Efeito Cascata existe?

O efeito cascata foi criado para evitar distorções na remuneração dos servidores públicos. Sem essa regra, seria possível que gratificações fossem calculadas sobre outras gratificações, gerando aumentos desproporcionais e onerando excessivamente os cofres públicos. Além disso, a regra busca garantir que as vantagens sejam concedidas de forma justa e equilibrada, sem favorecer indevidamente alguns servidores em detrimento de outros.


Como o Efeito Cascata é aplicado na prática?

A aplicação do efeito cascata na prática pode ser melhor compreendida por meio de casos concretos julgados pelos tribunais superiores. Vamos analisar dois casos emblemáticos que ilustram como essa regra é aplicada.


No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 10.737 - PR, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), professores estaduais do Paraná buscavam o restabelecimento da base de cálculo de suas gratificações, que anteriormente incidiam sobre as aulas extraordinárias. Os professores argumentavam que as gratificações por trabalhar em áreas de risco deveriam ser calculadas sobre o total de sua remuneração, incluindo as horas extras. No entanto, o Tribunal de Justiça do Paraná negou o pedido, entendendo que as aulas extras já constituíam um plus pelo trabalho adicional realizado e, portanto, não poderiam servir de base para o cálculo de outras gratificações. O STJ, ao analisar o recurso, manteve a decisão do Tribunal de Justiça, reforçando que o vencimento básico é o valor percebido pelo efetivo desempenho da função, enquanto as horas extras são consideradas trabalho extraordinário e individual. Dessa forma, as gratificações não podem incidir sobre as horas extras, sob pena de violação ao art. 37, XIV, da CF/88 (STJ, RMS 10.737 - PR, Rel. Min. Gilson Dipp, 2000).


Outro caso relevante é o Agravo Regimental na Reclamação 42.439 - RS, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse processo, uma servidora pública do Rio Grande do Sul alegava que o anuênio (adicional por tempo de serviço) deveria ser incluído na base de cálculo das horas extraordinárias. A servidora argumentava que a Súmula Vinculante 16, que trata da remuneração total do servidor, deveria ser aplicada ao cálculo das horas extras. No entanto, o STF negou o pedido, entendendo que a Súmula Vinculante 16 não se aplica ao cálculo das horas extras. A Corte destacou que o art. 37, XIV, da CF/88, proíbe a superposição de vantagens pecuniárias, devendo o cálculo das horas extras ser feito com base no vencimento básico, excluindo outras gratificações. O STF reforçou que a Súmula Vinculante 16 refere-se ao total da remuneração do servidor para fins de garantia do salário mínimo, mas não se aplica ao cálculo de horas extras (STF, RCL 42.439, Rel. Min. Roberto Barroso, 2020).


Esses casos mostram que o efeito cascata é aplicado de forma consistente pelos tribunais, garantindo que as vantagens pecuniárias sejam calculadas de maneira justa e equilibrada, sem gerar distorções na remuneração dos servidores públicos.


Conclusão

O efeito cascata é uma regra importante no Direito Administrativo que visa garantir a racionalidade e a proporcionalidade na remuneração dos servidores públicos. Ao proibir a superposição de vantagens pecuniárias, a Constituição Federal e a jurisprudência dos tribunais superiores buscam equilibrar os direitos dos servidores com a necessidade de preservar a sustentabilidade financeira da Administração Pública.


Para os servidores, é essencial compreender que o cálculo de horas extras, gratificações e adicionais deve ser feito com base no vencimento básico, excluindo outras vantagens já concedidas. Embora isso possa limitar o valor total da remuneração em alguns casos, a regra do efeito cascata também protege os servidores contra reduções arbitrárias e garante que as vantagens sejam concedidas de forma justa e equilibrada.


Em síntese, o efeito cascata é mais do que uma mera regra contábil; é um princípio que reflete o equilíbrio entre os direitos dos servidores e os interesses da Administração Pública, garantindo que a remuneração seja justa e sustentável para ambas as partes.



Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 37, XIV. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 out. 2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 10.737 - PR (99/0021850-7). Relator: Ministro Gilson Dipp. Julgado em: 22 fev. 2000.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Agravo Regimental na Reclamação 42.439 - RS. Relator: Ministro Roberto Barroso. Julgado em: 13 out. 2020.

 
 
 

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