
O tema da remuneração de servidores comissionados, especialmente no que tange ao pagamento de horas extras e adicional noturno, é objeto de frequentes questionamentos na Administração Pública. A legislação vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores têm consolidado entendimentos sobre a impossibilidade desse pagamento, salvo hipóteses excepcionais. Este artigo técnico tem como objetivo esclarecer os fundamentos jurídicos e administrativos desse tema, apresentando as normas aplicáveis e as principais decisões judiciais.
Cargos comissionados e suas especificidades
Os cargos em comissão são definidos pela Constituição Federal, no artigo 37, inciso II e V, como aqueles de livre nomeação e exoneração, destinados a funções de direção, chefia e assessoramento. Por sua natureza transitória e precária, esses cargos não conferem estabilidade ao servidor e são pautados por uma relação de confiança entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo.
A jurisprudência tem enfatizado que esses servidores estão sujeitos a um regime de dedicação integral, razão pela qual não se aplica a eles o controle de jornada típico dos servidores efetivos. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por exemplo, no Acórdão n° 1.0024.15.005400-5/001, reforçou a impossibilidade do pagamento de horas extras e adicional noturno a servidores comissionados, dado o caráter precário do vínculo.
Entendimento jurisprudencial sobre horas extras e adicional noturno
Os tribunais administrativos e judiciais têm reiterado que servidores comissionados não possuem direito ao recebimento de horas extras e adicional noturno, pois a remuneração desses cargos já contempla a exigência de disponibilidade. No Acórdão n° 1.0079.11.063604-4/001, o TJMG enfatizou que o regime de dedicação integral é incompatível com o pagamento de horas extraordinárias. Da mesma forma, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) manifestou-se contrariamente à concessão dessas verbas, inclusive vedando a compensação via banco de horas.
Além disso, decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em agravo de instrumento REsp 919.202/SC, reafirmou essa impossibilidade ao analisar o caso de um secretário executivo de câmara municipal, ocupante de cargo comissionado. O entendimento foi no sentido de que a função exige dedicação integral ao serviço, impossibilitando o pagamento de horas extras e adicional noturno. A decisão ressaltou ainda que a acumulação de funções sem previsão remuneratória não gera direito ao recebimento dessas verbas, conforme o princípio da legalidade.
A legislação também dá suporte a esse entendimento. O artigo 39, §3º da Constituição Federal, estabelece que os servidores estatutários possuem direitos trabalhistas específicos, mas não estende a eles o mesmo regramento aplicável aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que reforça a incompatibilidade do pagamento de horas extras aos comissionados.
Impactos práticos para a Administração Pública e os servidores
A vedação ao pagamento de horas extras e adicional noturno para servidores comissionados visa assegurar o cumprimento dos princípios da moralidade e economicidade na Administração Pública. O pagamento indevido dessas verbas pode gerar responsabilidade administrativa e financeira para os gestores públicos, podendo ser objeto de controle pelos Tribunais de Contas.
Por outro lado, é fundamental que as administrações públicas garantam a correta definição das atribuições dos cargos comissionados, evitando desvio de função. Caso o servidor comissionado desempenhe atividades típicas de um cargo efetivo, poderá haver questionamento judicial sobre a necessidade de adequação funcional.
Conclusão
O entendimento consolidado nos tribunais superiores e órgãos de controle reafirma que servidores comissionados não fazem jus a horas extras e adicional noturno, pois seus cargos exigem dedicação integral e não estão sujeitos a controle de jornada. Essa diretriz está em conformidade com os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e eficiência.
Dessa forma, é essencial que gestores e servidores compreendam a estrutura normativa vigente, evitando práticas que possam ensejar responsabilização administrativa. A correta aplicação dessas normas assegura maior transparência e eficiência na gestão pública, garantindo o cumprimento das diretrizes legais e jurisprudenciais.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
BRASIL. Código de Processo Civil (CPC), Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão n° 1.0024.15.005400-5/001. Relator: Des. Belizário de Lacerda. Belo Horizonte, 12 set. 2017.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão n° 1.0079.11.063604-4/001. Relatora: Des. Yeda Athias. Contagem, 27 abr. 2021.
PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão n° 775/23. Relator: Conselheiro Fabio de Souza Camargo. Londrina, 13 abr. 2023.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo de Instrumento no REsp 919.202/SC. Relator: Min. Celso Limongi.
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